sexta-feira, 20 de abril de 2012

UM TREM MUITO SÉRIO


Plínio Fajardo Alvim

          
    Em Minas, o trem não é meramente um meio de transporte. Pra nós, mineiros, qualquer coisa é um trem. Ou melhor, usando nosso próprio dialeto: qualquer trem é um trem.
          Quando temos fome, comemos um trem. Se estamos com sede, bebemos um trem. Ás vezes, um trem pode nos espetar o dedo. Outras, um trem pode cair em nossos olhos. A todo o momento esbarramos em algum trem. Há sempre algum trem em nosso caminho, ajudando ou atrapalhando.
          Se algo nos assusta, nos encanta ou nos surpreende, é um trem-de-doido. Se a coisa é boa, é um trem-bom demais. E quando padecemos de algum mal que não sabemos definir, seja ele físico ou emocional, o que sentimos é um trem-esquisito.
          O trem, pra nós, assume conceitos, dimensões e nuances inimagináveis em outras terras. Nossos trens podem ter formas, cores, sabores, sons, odores, qualidades, defeitos e quaisquer outras características que quisermos, concretas ou abstratas. Assim, incontável número de trens circulam ou estacionam no cotidiano e no inconsciente coletivo do povo mineiro. Aqui, em Minas, tudo é trem.
          O trem tanto pode incomodar quanto embalar nosso sono. Mas, sobretudo, o trem nos faz sonhar ... e quase sempre acordados. Pra nós, quando irados, até gente e bicho podem ser trens. Afinal, nossos trens são também seres que têm vida e que são a nossa vida. O trem está para o mineiro assim como o sincretismo religioso está para o baiano, como a praia para o carioca, como a garoa para o paulista, como os pampas para o gaúcho, como a aridez para o nordestino e como a floresta para os povos amazônicos. 
          Mas, acima de qualquer trem, nossos trens não são simples expressões idiomáticas.  Em Minas, o trem é um trem muito sério. Nossos trens  são valores e sentimentos manobrando na estação do nosso coração. Trem é Minas e Minas é trem. O trem é a alma de Minas.
           Trem, em Minas, é como o Uai, não tem tradução. Só nós, mineiros, sabemos o que significam: Uai é Uai e Trem é Trem, sô!







Plínio E. Fajardo Alvim 
Leopoldinense, Administrador, Ambientalista, 
Ferroviarista, Membro da Academia Ferroviária de Letras
 e Pesquisador da História Regional.

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