sábado, 26 de novembro de 2011

AS VOLTAS QUE A VIDA DÁ


       Carlos olhava desanimado para a pilha de processos em sua mesa da sala de jantar. Acostumara-se a analisá-los de madrugada varando noites insones. 
          Viúvo recentemente, transitava entre raiva, melancolia e tristeza.
            Era tudo tão injusto.
          Agora ... era só o passar do tempo.
          E o tempo foi passando: dias ... semanas ... meses ... anos ...
          Dois anos. De repente se deu conta de que já se passaram dois anos desde o falecimento de sua mulher. Apanhou do chão a foto da esposa que escapulira de sua carteira. Tirada há pouco mais de quatro anos, quando se conheceram. Tão linda! 
          Continuava a pensar nela constantemente, mas a dor amenizara.
          Era comum sonhar com a esposa, mas nessa noite o sonho teve um significado diferente. Aceitação.
       Acordou com os raios do sol transpassando a vidraça. Pela primeira vez em dois anos tomou consciência do amanhecer sem aquela sensação de dor e solidão.
          Sentiu que já estava na hora de voltar a uma vida normal, mais feliz.
          Lembrou-se da vida despreocupada e alegre que um dia já vivera. Recordou-se de coisas que por algum motivo precisou deixar de lado: o futebol, o violão ... ah !!! já ia se esquecendo – a banda de forró. Riu baixinho ... nem se lembrava mais disso. Continuou rindo consigo mesmo ... há quanto tempo não se sentia assim.
         Por onde andariam Léo, Juca e Russo? Colegas de faculdade, formaram uma banda de forró. Se divertiram muito e até ganharam algum dinheiro com a banda, que acabou junto com o curso da Faculdade. Encontraram-se algumas vezes depois disso, mas cada um tomou rumo diferente e há anos não se viam.
         Carlos sentiu saudade dos rapazes. Passaram tantas coisas juntos. Armaram tantas confusões, se protegeram e se safaram juntos dessas confusões. Tempo bom. Iria procurá-los, pensou.
         Léo tinha uma irmã, Ana, com quem Carlos saiu algumas vezes, antes de conhecer a futura esposa. Se, para Carlos, Ana foi apenas uma amiga, ela, ao contrário, se apaixonou perdidamente por ele e sofreu muito quando soube de seu casamento. 
          Carlos, na época, percebeu a tristeza de Ana, pediu desculpas por não tê-la avisado antes, sobre o casamento, mas tudo aconteceu tão rápido. Não teve intenção de magoá-la.  
          Não se viram mais.
          Carlos deduziu que Ana, ao contrário do irmão, continuava morando na mesma cidade, onde trabalhava em uma grande empresa de pesquisa petrolífera. Foi fácil achá-la.
          Através de Ana conseguiu o email e telefone de Léo e assim os quatro amigos voltaram a se reunir periodicamente com futebol, churrasco e forró.
          Muito tempo sozinho, Carlos voltou a assediar Ana que se recusava a um encontro. Conversavam por email ou celular. Sempre gentil, punha-o a par de todos os acontecimentos que envolviam os amigos. Todos moravam em cidades próximas e se viam com frequência, ela disse.
          Apesar de falar muito sobre o irmão e os amigos, ela era sucinta e quase não falava de si mesma.  Carlos insistia perguntando se ela havia se casado, se tinha alguém.
           - Nada importante, ela respondia.
           Carlos não entendia, e um dia perguntou ao amigo, irmão da moça:
          - Como uma mulher tão linda como sua irmã, Léo, pode ainda estar sozinha?       
           – Talvez ela tenha se apaixonado e nunca conseguiu esquecer essa paixão, respondeu Léo malicioso. 
           Carlos entendeu. A indireta era para ele.
          - Não estou com essa “bola toda” não, Léo.
          - Quem sabe? Sorriu misterioso. Venha me fazer uma visita domingo á tarde.         
          No domingo, uma hora da tarde, lá estava ele estacionando seu carro em frente à varanda da casa de Léo. Havia muitas crianças no pátio enfeitado com bolas coloridas, ao lado da casa. Um enorme bolo pousava sobre a mesa no centro do pátio. Percebeu que tinha sido convidado para uma festa infantil. Ficou aborrecido consigo mesmo por não ter se informado melhor, poderia ter trazido um presente.
          Trancou a porta do carro e ia se virando para subir a escada da varanda, quando percebeu Ana vindo em sua direção. trazendo uma criança pela mão. O menino correu para ele sorrindo, com os bracinhos abertos, feliz da vida!  "É minha festa ... minha festa ...mamãe disse que seu nome é igual ao meu... Carlinhos. Confiante, o menino puxava-o pelas mãos levando-o em direção ao pátio colorido pelos enfeites que tremulavam ao vento.
          Surpreso, Carlos olhava o menino ... tão familiar .... sentiu como se estivesse se olhando no espelho há muitos anos atrás. Os mesmos cabelos claros, encaracolados e rebeldes, que insistiam em cair-lhe sobre a testa ... os olhos, claros e transparentes como o mel, o mesmo sorriso fazendo covinhas e ... aquelas pintinhas nas bochechas que ele tão bem conhecia, pois, assim que as percebera, por várias vezes ficou de bochechas vermelhas de tanta esfregar, tentando limpá-las pensando ser sujeirinhas.
          Meu Deus !!!! Foi a única coisa que conseguiu balbuciar.
          Seus olhos encontraram os de Ana que o fitava séria.
          Ana conteve um soluço, quando os braços de Carlos a envolveram, e ele disse baixinho: perdoe-me.
         Abaixando-se, Carlos pegou o menino no colo, e os três subiram juntos a escada em direção ao    pátio enfeitado.






* Autora: Marina Alice Rezende
   Ilustrações: Internet.


2 comentários: