quarta-feira, 23 de novembro de 2011

UM ESTRANHO AMOR

     
      Koulf a via todos os dias pela manhã, quando passava esbaforida, levando um menino pelas mãos, carregada de mochilas, pastas e pacotes. Pelo jeito, estava levando o garoto para a escola. Devia ser algum sobrinho pois era muito novinha para já ser mãe daquele menino. Chegou a escutar sua voz: “Olha a palhaçada ... olha a palhaçada!” Dizia enquanto ia puxando uma criança emburrada. Ele a achava linda. Com as bochechas vermelhas de indignação, ficava mais linda ainda.
        Koulf  era encantado por meninas de bochechas vermelhas. Não podia se controlar, ficava fascinado. E aí começava aquela estranha perseguição. Não conseguia se conter. Não havia como parar.
        Ele não era mau, pelo contrário, tinha consciência de sua condição. Desde que começou a sentir essa estranha compulsão procurou ajuda. Conversou com sua mãe, que ficou muito assustada e quis levá-lo a um psiquiatra.
        Resolveu então procurar seu pai.
        Aí entendeu tudo.
        Era um desejo ancestral.
        A partir daí começou a passar horas na Internet ou em bibliotecas procurando conhecer tudo sobre si mesmo. Frequentar clubes de sado-masoquismo, foi a solução mais viável que encontrou.
        Resolveria seu problema – sem prejudicar ninguém.
        Sempre que se lançava a uma perseguição – com aquele calor louco tomando-lhe os sentidos, lembrava-se das aulas de biologia, onde o professor falava que os insetos percebem o calor através das antenas, por onde se orientam, afim de se alimentar com o sangue de suas indefesas vítimas. 
        As antenas de Koulf  eram suas narinas, por onde ele percebia o sangue quente a correr pelas veias de suas encantadoras e irresistíveis vítimas.
        Como os insetos, ele sorvia só um pouquinho. Apenas para se acalmar.
        Nada que pudesse prejudicar a presa. Mas ele reconhecia que podia ser assustador – nada de dentões – isso era folclore. Para evitar constrangimentos, ele desenvolveu uma dança de encantamento e acasalamento.
        Com aquela menina, agia diferente. Não queria assustá-la. Gordinha, sangue quente, sentia seu calor à distância.
        Observava-a de longe, não sabendo como abordá-la.
        Uma manhã, esbaforida como sempre, ela passou por ele como um vendaval, dando-lhe um encontrão. Mochilas e pastas voaram longe. Solícito, ajudou-a a recolher tudo, e se apresentou.
        Ela ficou sabendo que ele se chamava Kouf – nome estranho – ele explicou: era descendente de uma família da Transilvânia, região que fica na Romênia, Europa. Pretendia cursar Direito na UERJ, por isso fazia cursinho preparatório para o vestibular do próximo ano. O que mais chamou a atenção da menina era que o rapaz, afro-descendente, vinha de uma região onde as pessoas em geral, eram claríssimas. Havia lendas a respeito. Talvez a mãe fosse brasileira, baiana ... quem sabe! Ela estava adorando a novidade.
        Também se apresentou. Adriana – de família mineira, estudava no Rio de Janeiro. Estava se preparando para prestar concurso para a Prefeitura da cidade e fazer o vestibular na UERJ para o curso de Informática.
        Adorava FUNK, ele ficou sabendo, dançava como ninguém – ele adorou. Tinham tudo a ver. Ela ia gostar da coreografia que ele inventara para a dança do encantamento e acasalamento.
        Tímido e meio distante, ele não tinha coragem de se chegar mais.
        E se ela o achasse uma aberração?
        E se fugisse dele?
        E se chamasse a policia?
        Sem saber o que fazer, procurou seu pai novamente. Afinal sua mãe nunca soubera de nada, e continuaria sem saber. Seu pai o fez jurar que ele nunca comentaria com a mãe, sobre essa estranha sina dos dois - pai e filho.  
        Seria perigoso, ele disse.
        Assustada, ela poderia procurar ajuda no lugar errado.
      Após a conversa com seu pai saiu mais relaxado, feliz. Finalmente, deixaria a insegurança de lado. Ia procurar sua gatinha “rechonchuda” e ser muito feliz.
          Seis anos mais tarde. ...
       Magra e, esbaforida como sempre, vinha ela apressada. “Olha a palhaçada ...  olha a palhaçada!”, resmungava, enquanto arrastava pelas mãos duas crianças choraminguentas”.
       “Mãe ... Vó ... ajuda aqui. Estamos atrasados. A cerimônia já começou”. A mãe surpresa, ainda não tinha se acostumado com a nova silhueta da filha, que continuava emagrecendo. Linda, claro, mas que estranho !!!
        Parecia mais branquinha... anêmica ... feliz. ...
        Feliz ... sim, isso saltava-se aos olhos.
       “Ei Kouf! O que você anda fazendo com minha filha?”
        Ahiii ... Amor ... sogrinha ... amor ... !!! “
        Sorridentes, se dirigiram ao auditório da UERJ, iluminado e enfeitado, onde os formandos receberiam seus diplomas.




*Autora: Marina Alice Rezende
  Ilustrações: Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário