terça-feira, 29 de novembro de 2011

O CAPATAZ

   
       ”Deixo em suas mãos o meu bem mais precioso. Minha mulher e meus filhos. Cuide deles como se estivesse cuidando de sua própria vida”. 
         Com essas palavras, Evaristo montou seu cavalo e saiu galopando em direção á cidadezinha próxima, onde  negociaria a produção leiteira. Não tinha dúvida de que suas ordens seriam seguidas à  risca por seu empregado de confiança. 
           Ao contrário do marido,  Marisa detestava aquele homem, dava-lhe medo. Sério, um olhar mau, nunca o vira dar um sorriso. 
          Quando o marido precisava se ausentar da fazenda, ela pedia-lhe que deixasse uma arma em casa, e que proibisse o tal homem de sequer se aproximar da casa. Evaristo cumpria os desejos da esposa e ria de suas desconfianças. Confiava cegamente em seu capataz. “Não posso deixá-la aqui sozinha, com as criança, preciso de alguém que imponha medo e respeito”. Ele dizia.
         Mas não era só Marisa que não gostava do capataz, Tonia, a cozinheira, tinha pavor do homem. Com medo, as duas mulheres tentaram manter dentro de casa um rapaz para fazer pequenos serviços e protegê-las quando o dono da casa estivesse fora. Mas o capataz proibiu o jovem de entrar na casa, que por medo, o atendeu prontamente, não aparecendo mais.
        Assim, a tensão foi aumentando, e como se não bastasse, Evaristo ligou avisando que ficaria na cidade dois dias resolvendo problemas, e que mandaria o irmão à fazenda para fazer companhia à família.
           Embora Evaristo tenha mandado recado para o irmão, esse recado não chegou a ele.
           Tonia, Marisa e as crianças passaram a noite sozinhas.
         Pela manhã, Marisa recebeu vários telefonemas de amigos e familiares, preocupados, pois havia rumores de que a policia estava rondando as fazendas da redondeza, atrás de uma pessoa em cuja descrição o capataz se encaixava perfeitamente. Assustada, Marisa ligou para o pai pedindo ajuda. Não queria ficar sozinha. Seu pai e um irmão veio ter com ela, já ciente de que o capataz matara a mulher e a policia vinha seguindo seu rastro por todas as fazendas onde ele estivera trabalhando. 
        Evaristo ligou dizendo que já soubera das noticias, estava antecipando a volta para casa. e ficou pesaroso pela esposa ter passado a noite se sentindo só e desamparada.
             À tarde, a policia chegou. Vários homens à cavalo, revistaram tudo. Não encontraram nada. O capataz já estava longe.
            Na noite do dia seguinte, Evaristo chegou de carro. Marisa estranhou, pois Evaristo havia saído à cavalo, como sempre fazia quando saia sozinho. Deixava o carro em casa para ser usado em caso de alguma emergência com as crianças. Ele não ia antecipar a viajem? Porque só chegou agora?
           O carro estava emporcalhado, observou ela, exasperada.
        Conhecia bem o marido, não queria acreditar que ele tivesse feito o que ela estava pensando. Mas ele fez. Ela sabia. Ficou fula de raiva. Trancou-se no quarto, não queria brigar com ele na frente do pai e das crianças.
         Ele foi atrás dela e tentou abraçá-la, ela se desvencilhou dizendo que ele não se atrevesse a tocá-la. Como ele podia ter feito isso? Um assassino! Como você pôde ajudá-lo a fugir?
       Evaristo disse: - Sei que você não vai entender. Fiz o que eu achei que deveria fazer. Levei-o para longe daqui, dei-lhe dinheiro e mandei-o sumir. Conversamos muito. Não acho certo o que ele fez, mas não estou aqui para julgar ninguém. Sei que ele a assustava, mas eu tinha total confiança na lealdade dele. Respeito mútuo. Foi isso que me levou a ajudá-lo.
       Marisa continuou emburrada por algum tempo. Amava o marido. Ele tinha princípios e agia conforme esses princípios, mesmo que ela os achasse meio distorcidos às vezes.
           

          *Autora conto e desenhos: Marina Alice Rezende

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O CARROSSEL



   Lulu já estava acostumada, mal começava a escurecer e aquela claridade imensa tomava conta de tudo. A luz dourada dançando de lá pra cá, banhava o pátio e devagarinho ia subindo até cobrir todo o morro.       
Seu  pai então saia de casa, subia o morro e ficava lá por várias horas. 
           
          Lulu, muito curiosa, sempre perguntava ao pai aonde ia. Ele                                     respondia: “Vou dar uma volta”.
Um dia, escondida, resolveu seguir o pai.
Subindo ... subindo ... ia acompanhando seu pai, de longe, sem que ele a visse. Estava cansada. Achava já ter passado por aquela pedra parecendo um cachorro, um monte de vezes. Com os pés doendo, resolveu sentar para descansar e ... dormiu. Quando acordou estava no colo de seu pai, indo em direção ao topo do morro.
-Bonito, né? , disse o pai. Querendo me enganar? Eu estava lhe preparando uma surpresa. Vamos lá, disse então com uma beijoca na face da menina.
Continuaram a subir o morro. Chegando lá, Lulu ficou surpresa. Um enorme e lindo carrossel, mais de vinte bichinhos, cavalinhos, carneirinhos e renas,  rodopiavam. Em cada um, havia um amiguinho, brincando nos bichinhos. Desconhecidos ainda, Lulu notou que eles eram coloridos. Grandes olhos azuis, anteninhas amarelas, corpo vermelho. Outro de olhos vermelhos, anteninhas brancas e corpo verde. O que mais ela gostou foi o que estava no cavalinho ao lado do dela, todo dourado, os olhos mudavam de cor a cada piscada.
Ela amou. Agora, toda tarde ela subia para brincar com os  novos amiguinhos.



  *Autora: Marina Alice Rezende
    Ilustração: Internet

domingo, 27 de novembro de 2011

UM CONTO DE NATAL


O URSINHO      

          Enorme, azul, seus olhos de vidro preto brilhavam. O ursinho parecia estar sorrindo. Lily também sorriu para ele, achando que o ursinho queria brincar com ela. Botou a língua de fora, o ursinho repetiu o gesto. Agora ela tinha certeza. O ursinho queria brincar com ela.
          - Mamãe, o urso quer ser meu amigo. Ele está rindo para mim.
          - Sorria para ele também, disse a mãe.
          - Compra para mim, mãe ?
          - Outro dia ...
Conformada, ela saiu da loja acompanhando a mãe, com os olhos marejados de lágrimas, olhando triste para o ursinho.
Aquela noite o Papai Noel ia chegar.
Já era Natal.
Lá fora chovia muito.
Lily dormiu e sonhou. Papai Noel passava de trenó no jardim perto de seu quarto, jogou um grande pacote pela sua janela, que caiu em cima da cama. De dentro do pacote saltou o ursinho azul. Mal aterrizou nos lençóis ele já brincava de pula-pula, dava cambalhotas, rolava por cima do travesseiro, caía no chão e saltava de novo para a cama. Fez tanta estrepulia, que escorregou e bateu com o queixo no pinico que vovó colocou embaixo da cama. Machucando-se, limpou o sangue na camisolinha de Lily. Deitou-se ao lado dela e cansado, dormiu.
Que surpresa a de Lily, quando acordou de manhã, viu seu enorme amiguinho dormindo a seu lado. Cuidadosamente, limpou com um algodão umedecido um restinho de sangue no queixo do ursinho. Abraçando-o dormiu mais um pouquinho.
Papai Noel é mesmo muito legal!




* Autora: Marina Alice Rezende
       Ilustração: Internet

THALYA

Inspirado na estradinha de terra
 que leva à Angustura/MG.

      Thalya era uma linda mulher.  Linda e esquisita.  Ninguém sabia nada sobre ela, quem era, de onde vinha e o que fizera até então. Simplesmente aparecera. 
Devia ter sangue nômade nas veias, pois de quando em quando, sumia. Diziam que em certas noites ela saia à pé pela estradinha de terra que leva à auto-estrada. Lá, pegava carona e sumia por meses.


Lugar pequeno, povo curioso – Ela apenas sorria, escorregadia, respondendo às perguntas com outra que não tinha nada a ver. Simpática, mas arredia e de pouca prosa, chamava a atenção por sua beleza e seu ar meio “desligado”. Ás vezes, saía descalça, vestido florido arrastando pelo chão, e pequenas flores enfiadas, como brincos, nos buraquinhos das orelhas. Dizia que precisava sentir o contato com a natureza. Pisava descalça a terra e roçava-se na vegetação o que lhe causava pequenos arranhões fixando o cheiro de mato na pele. Sempre cheirosa, gostava do perfume das flores.
Em noites de lua cheia, era vista dançando em volta das árvores, com fina camisola, transpassada pela luz do luar, dando-lhe um aspecto fantasmagórico.
Uns achavam-na louca, outros, que fazia “tipo”.
Hoje, apenas um retrato antigo no mural da igreja, lembrando um evento qualquer em que participara, antes de sumir para sempre na estradinha de terra que leva à auto-estrada.


*Autora do conto e desenho: Marina Alice Rezende

MINHA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA AMOROSA

           Zefinha, mulata linda e fogosa, resolvida nas questões do amor, foi contratada por meus avós para me cuidar durante as férias. Deu-me do jeito dela as primeiras lições de amor.
        “Namoro não é coisa de criança”.
        "Pare de me olhar pelo buraco da janela”.
        Ela namorava na passagem entre a cozinha e o quintal – um lugar escondidinho, que logo descobri e ficava espreitando pelas frestas da janela. Não adiantava ela colocar um  pano escondendo os buraquinhos, que eu o tirava e depois recolocava no lugar. Dali só dava para ver os bumbuns descendo e subindo num balé sinuoso. Eu não entendia os suspiros e gemidos.
        - A gente se belisca e se morde, ela me explicava.
        - Eu não quero que ele te belisque e te machuque.
        - Mas eu belisco ele também, ela respondia rindo.
        Logo, percebi que haviam bumbuns brancos, marrons, negros e de todas as formas.
        Comecei então a desenhá-los e colocar os nomes correspondentes: Zé, Tião, Jão ...
        Foi assim que ela descobriu que eu a espiava.
        Um dia vi uma nádega magra, branca, esquálica – eu a reconheci, pois ficava escondida atrás da cortina quando o Zé da farmácia vinha dar injeção. Fiquei triste... achei que aquilo não era direito ... mas meu carinho por Eles era maior que minha decepção ... Esqueci.
        Havia um que ela não levava para o cantinho. Ficávamos conversando no portão os três, ele era muito divertido e sempre me trazia balas. Quando perguntei porque ela não o beliscava, ela me disse que ele era para casar. E me passou uma grande lição: 
        - Quando você descobrir o homem certo para casar, não o belisque, seja firme.
        - Como vou saber que ele é o homem certo?
        - Quando chegar a hora você vai saber.
        Sábia Zefinha!!!
        Uma manhã fomos com meus avós à missa de domingo. Já vinha reparando no menino da campainha – vestido de vermelho - que ajudava o padre. Pensei estar apaixonada. Não resisti quando ele passou a meu lado balançando aquela campainha num lindo toque de amor, e então, lhe sapequei um beliscão no traseiro.
        Ele me deu um empurrão tão forte que cai sentada no colo de minha avó, que zangada, me deu um vigoroso tapa na mão. Zefinha compreensiva, escondia o riso e balançava a cabeça balbuciando: 
        - Assim não ... ôôôôhh ... assim não.
        Mas foi assim que terminou a minha primeira experiência amorosa.





* Autora: Marina Alice Rezende
   Ilustração: Internet.

sábado, 26 de novembro de 2011

AS VOLTAS QUE A VIDA DÁ


       Carlos olhava desanimado para a pilha de processos em sua mesa da sala de jantar. Acostumara-se a analisá-los de madrugada varando noites insones. 
          Viúvo recentemente, transitava entre raiva, melancolia e tristeza.
            Era tudo tão injusto.
          Agora ... era só o passar do tempo.
          E o tempo foi passando: dias ... semanas ... meses ... anos ...
          Dois anos. De repente se deu conta de que já se passaram dois anos desde o falecimento de sua mulher. Apanhou do chão a foto da esposa que escapulira de sua carteira. Tirada há pouco mais de quatro anos, quando se conheceram. Tão linda! 
          Continuava a pensar nela constantemente, mas a dor amenizara.
          Era comum sonhar com a esposa, mas nessa noite o sonho teve um significado diferente. Aceitação.
       Acordou com os raios do sol transpassando a vidraça. Pela primeira vez em dois anos tomou consciência do amanhecer sem aquela sensação de dor e solidão.
          Sentiu que já estava na hora de voltar a uma vida normal, mais feliz.
          Lembrou-se da vida despreocupada e alegre que um dia já vivera. Recordou-se de coisas que por algum motivo precisou deixar de lado: o futebol, o violão ... ah !!! já ia se esquecendo – a banda de forró. Riu baixinho ... nem se lembrava mais disso. Continuou rindo consigo mesmo ... há quanto tempo não se sentia assim.
         Por onde andariam Léo, Juca e Russo? Colegas de faculdade, formaram uma banda de forró. Se divertiram muito e até ganharam algum dinheiro com a banda, que acabou junto com o curso da Faculdade. Encontraram-se algumas vezes depois disso, mas cada um tomou rumo diferente e há anos não se viam.
         Carlos sentiu saudade dos rapazes. Passaram tantas coisas juntos. Armaram tantas confusões, se protegeram e se safaram juntos dessas confusões. Tempo bom. Iria procurá-los, pensou.
         Léo tinha uma irmã, Ana, com quem Carlos saiu algumas vezes, antes de conhecer a futura esposa. Se, para Carlos, Ana foi apenas uma amiga, ela, ao contrário, se apaixonou perdidamente por ele e sofreu muito quando soube de seu casamento. 
          Carlos, na época, percebeu a tristeza de Ana, pediu desculpas por não tê-la avisado antes, sobre o casamento, mas tudo aconteceu tão rápido. Não teve intenção de magoá-la.  
          Não se viram mais.
          Carlos deduziu que Ana, ao contrário do irmão, continuava morando na mesma cidade, onde trabalhava em uma grande empresa de pesquisa petrolífera. Foi fácil achá-la.
          Através de Ana conseguiu o email e telefone de Léo e assim os quatro amigos voltaram a se reunir periodicamente com futebol, churrasco e forró.
          Muito tempo sozinho, Carlos voltou a assediar Ana que se recusava a um encontro. Conversavam por email ou celular. Sempre gentil, punha-o a par de todos os acontecimentos que envolviam os amigos. Todos moravam em cidades próximas e se viam com frequência, ela disse.
          Apesar de falar muito sobre o irmão e os amigos, ela era sucinta e quase não falava de si mesma.  Carlos insistia perguntando se ela havia se casado, se tinha alguém.
           - Nada importante, ela respondia.
           Carlos não entendia, e um dia perguntou ao amigo, irmão da moça:
          - Como uma mulher tão linda como sua irmã, Léo, pode ainda estar sozinha?       
           – Talvez ela tenha se apaixonado e nunca conseguiu esquecer essa paixão, respondeu Léo malicioso. 
           Carlos entendeu. A indireta era para ele.
          - Não estou com essa “bola toda” não, Léo.
          - Quem sabe? Sorriu misterioso. Venha me fazer uma visita domingo á tarde.         
          No domingo, uma hora da tarde, lá estava ele estacionando seu carro em frente à varanda da casa de Léo. Havia muitas crianças no pátio enfeitado com bolas coloridas, ao lado da casa. Um enorme bolo pousava sobre a mesa no centro do pátio. Percebeu que tinha sido convidado para uma festa infantil. Ficou aborrecido consigo mesmo por não ter se informado melhor, poderia ter trazido um presente.
          Trancou a porta do carro e ia se virando para subir a escada da varanda, quando percebeu Ana vindo em sua direção. trazendo uma criança pela mão. O menino correu para ele sorrindo, com os bracinhos abertos, feliz da vida!  "É minha festa ... minha festa ...mamãe disse que seu nome é igual ao meu... Carlinhos. Confiante, o menino puxava-o pelas mãos levando-o em direção ao pátio colorido pelos enfeites que tremulavam ao vento.
          Surpreso, Carlos olhava o menino ... tão familiar .... sentiu como se estivesse se olhando no espelho há muitos anos atrás. Os mesmos cabelos claros, encaracolados e rebeldes, que insistiam em cair-lhe sobre a testa ... os olhos, claros e transparentes como o mel, o mesmo sorriso fazendo covinhas e ... aquelas pintinhas nas bochechas que ele tão bem conhecia, pois, assim que as percebera, por várias vezes ficou de bochechas vermelhas de tanta esfregar, tentando limpá-las pensando ser sujeirinhas.
          Meu Deus !!!! Foi a única coisa que conseguiu balbuciar.
          Seus olhos encontraram os de Ana que o fitava séria.
          Ana conteve um soluço, quando os braços de Carlos a envolveram, e ele disse baixinho: perdoe-me.
         Abaixando-se, Carlos pegou o menino no colo, e os três subiram juntos a escada em direção ao    pátio enfeitado.






* Autora: Marina Alice Rezende
   Ilustrações: Internet.


quinta-feira, 24 de novembro de 2011

TRAJETÓRIAS DE VIDA


Marina Rezende com um dos netos.

Há trajetórias de vida
Que vêm de encontro à nossa.
Chocam-se. Interpenetram-se.
Geram a felicidade.
Interagem.
E seguem juntas
Por toda a eternidade.

Há aquelas
Que, de repente,
Da nossa se aproximam.
Às vezes nos tangenciam
Mas logo se distanciam,
Tomam rumos divergentes.

Mas, a maioria delas
Correm em linhas paralelas
E com os nossos destinos
Não se encontram jamais,
Embora num mesmo barco
Viajemos todos juntos
Pela face de um planeta
Onde somos peregrinos.

Marina Rezende
Angustura, 07/06/2004














Marina Rezende,
Assim Como o Vinho,  2004.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

UM ESTRANHO AMOR

     
      Koulf a via todos os dias pela manhã, quando passava esbaforida, levando um menino pelas mãos, carregada de mochilas, pastas e pacotes. Pelo jeito, estava levando o garoto para a escola. Devia ser algum sobrinho pois era muito novinha para já ser mãe daquele menino. Chegou a escutar sua voz: “Olha a palhaçada ... olha a palhaçada!” Dizia enquanto ia puxando uma criança emburrada. Ele a achava linda. Com as bochechas vermelhas de indignação, ficava mais linda ainda.
        Koulf  era encantado por meninas de bochechas vermelhas. Não podia se controlar, ficava fascinado. E aí começava aquela estranha perseguição. Não conseguia se conter. Não havia como parar.
        Ele não era mau, pelo contrário, tinha consciência de sua condição. Desde que começou a sentir essa estranha compulsão procurou ajuda. Conversou com sua mãe, que ficou muito assustada e quis levá-lo a um psiquiatra.
        Resolveu então procurar seu pai.
        Aí entendeu tudo.
        Era um desejo ancestral.
        A partir daí começou a passar horas na Internet ou em bibliotecas procurando conhecer tudo sobre si mesmo. Frequentar clubes de sado-masoquismo, foi a solução mais viável que encontrou.
        Resolveria seu problema – sem prejudicar ninguém.
        Sempre que se lançava a uma perseguição – com aquele calor louco tomando-lhe os sentidos, lembrava-se das aulas de biologia, onde o professor falava que os insetos percebem o calor através das antenas, por onde se orientam, afim de se alimentar com o sangue de suas indefesas vítimas. 
        As antenas de Koulf  eram suas narinas, por onde ele percebia o sangue quente a correr pelas veias de suas encantadoras e irresistíveis vítimas.
        Como os insetos, ele sorvia só um pouquinho. Apenas para se acalmar.
        Nada que pudesse prejudicar a presa. Mas ele reconhecia que podia ser assustador – nada de dentões – isso era folclore. Para evitar constrangimentos, ele desenvolveu uma dança de encantamento e acasalamento.
        Com aquela menina, agia diferente. Não queria assustá-la. Gordinha, sangue quente, sentia seu calor à distância.
        Observava-a de longe, não sabendo como abordá-la.
        Uma manhã, esbaforida como sempre, ela passou por ele como um vendaval, dando-lhe um encontrão. Mochilas e pastas voaram longe. Solícito, ajudou-a a recolher tudo, e se apresentou.
        Ela ficou sabendo que ele se chamava Kouf – nome estranho – ele explicou: era descendente de uma família da Transilvânia, região que fica na Romênia, Europa. Pretendia cursar Direito na UERJ, por isso fazia cursinho preparatório para o vestibular do próximo ano. O que mais chamou a atenção da menina era que o rapaz, afro-descendente, vinha de uma região onde as pessoas em geral, eram claríssimas. Havia lendas a respeito. Talvez a mãe fosse brasileira, baiana ... quem sabe! Ela estava adorando a novidade.
        Também se apresentou. Adriana – de família mineira, estudava no Rio de Janeiro. Estava se preparando para prestar concurso para a Prefeitura da cidade e fazer o vestibular na UERJ para o curso de Informática.
        Adorava FUNK, ele ficou sabendo, dançava como ninguém – ele adorou. Tinham tudo a ver. Ela ia gostar da coreografia que ele inventara para a dança do encantamento e acasalamento.
        Tímido e meio distante, ele não tinha coragem de se chegar mais.
        E se ela o achasse uma aberração?
        E se fugisse dele?
        E se chamasse a policia?
        Sem saber o que fazer, procurou seu pai novamente. Afinal sua mãe nunca soubera de nada, e continuaria sem saber. Seu pai o fez jurar que ele nunca comentaria com a mãe, sobre essa estranha sina dos dois - pai e filho.  
        Seria perigoso, ele disse.
        Assustada, ela poderia procurar ajuda no lugar errado.
      Após a conversa com seu pai saiu mais relaxado, feliz. Finalmente, deixaria a insegurança de lado. Ia procurar sua gatinha “rechonchuda” e ser muito feliz.
          Seis anos mais tarde. ...
       Magra e, esbaforida como sempre, vinha ela apressada. “Olha a palhaçada ...  olha a palhaçada!”, resmungava, enquanto arrastava pelas mãos duas crianças choraminguentas”.
       “Mãe ... Vó ... ajuda aqui. Estamos atrasados. A cerimônia já começou”. A mãe surpresa, ainda não tinha se acostumado com a nova silhueta da filha, que continuava emagrecendo. Linda, claro, mas que estranho !!!
        Parecia mais branquinha... anêmica ... feliz. ...
        Feliz ... sim, isso saltava-se aos olhos.
       “Ei Kouf! O que você anda fazendo com minha filha?”
        Ahiii ... Amor ... sogrinha ... amor ... !!! “
        Sorridentes, se dirigiram ao auditório da UERJ, iluminado e enfeitado, onde os formandos receberiam seus diplomas.




*Autora: Marina Alice Rezende
  Ilustrações: Internet

domingo, 20 de novembro de 2011

EVOLUÇÃO


          Uivando para a lua, ela pulava, dava cambalhotas, urrava. A enorme mecha dourada, saindo de sua juba, brilhava intensamente. Como numa dança, pulava e se sustentava apenas nas patas traseiras. Era puro instinto. Contagiadas, as jovens fêmeas do bando se juntaram a ela numa ensurdecedora homenagem à lua. Não se davam conta, mas estavam dando mais um pequeno passo em direção à evolução humana, experimentando os primeiros indícios de emoção. Os machos atônitos rodearam o grupo e aos poucos os mais jovens aderiram aos folguedos, uivando e rodopiando.
           Os mais jovens já sofriam pequenas mutações. Ficavam em pé sobre as patas traseiras e diferentes de seus pais, seus corpos apresentavam poucos pêlos enquanto suas cabeças se enchiam deles. As jovens fêmeas gostavam de enfiar sementes coloridas ao longo dos fios de sua cabeça, enquanto os jovens machos, encantados, corriam atrás delas arrancando tudo.
           Estes folguedos começava a preocupar o velho macho, líder do bando. Um novo bando, com hábitos diferentes, estava se formando e ele não sabia como lidar com isto. Sentia sua superioridade ameaçada. E para mostrar sua força dispersava o grupo violentamente.
           Mas ele estava envelhecendo e um novo líder não tardaria a aparecer. Passou a observar o grupo e, ao contrário de seus antecessores, escolheria e treinaria seu sucessor, zelando pela integridade do bando.



          Zur, forte e destemido, exercia uma liderança natural entre os jovens e estava sempre atento à segurança de todo o bando. Assim, foi o escolhido para o treinamento, tornando-se o braço direito do líder. Gostava de nomear os componentes do bando e deu a si mesmo o nome de Zur, pois gostava de urrar emitindo este som e esmurrando o próprio peito. Zair ficou sendo o nome da fêmea que mais o encantara devido à sua enorme mecha dourada. Conforme Zair ia se tornando adulta, seus olhos iam mudando de cor – um azul, da cor do céu e o outro verde como as folhas da mata. Zur observou que o mesmo ia acontecendo com as outras fêmeas. Ele ficava extasiado com a profusão de cores - pretos, marrons, verdes e azuis - dos olhos delas. Via que elas gostavam de se enfeitar com sementes e flores, o que não era hábito entre as mais velhas do bando.
           O líder, a quem Zur passou a chamar de Tor, percebia as mudanças que estavam ocorrendo na tribo. Os sons antes desconexos, começaram a fazer sentido. As emoções passaram a fazer parte do cotidiano do bando. E Tor viu então, os olhos de Zur cheios de lágrimas, quando mortalmente ferido jazia nos braços do jovem líder.
          Ao cobrir com terra a cova onde colocou o corpo sem vida de Tor, Zur não sabia, mas estava dando outro enorme salto na escala evolutiva. O Gatilho da Evolução havia sido disparado e não tinha mais como ser contido.


Fugindo da tempestade que ameaçava desabar, o novo líder ia à frente do bando procurando um lugar seguro. Enquanto isso, batia e esfregava vigorosamente gravetos e pedregulhos, tentando repetir a faísca saída do atrito entre os galhos de árvore usados para abrir o buraco na terra, que guardava o corpo do velho líder. Sem perceber que estava preste a se deparar com uma das maiores descobertas da humanidade - O Fogo.





* Autora: Marina Alice Rezende
   Ilustrações: Internet.