sábado, 14 de janeiro de 2012

O PARAQUEDISTA

Crédito imagem paraquedista
Licença:CC Attribution 2.0  Autor: aokettun



Ângelo recostou-se. Não pretendia dormir, embora estivesse muito cansado. Mestre de salto de paraquedismo, acabara de chegar de um treinamento muito cansativo.
Lya, sua esposa, estava entrando em trabalho de parto. Ângelo queria ficar ao seu lado dando apoio moral. Mas dormiu.
Percebeu que estava sonhando. 
        Sim. Sabia que era um sonho. 
      Ele se viu levantando da cama indo até o aparelho de TV, ligou-o. Imediatamente sua imagem apareceu na tela e sua voz soou no aparelho:
Meu nome é Ângelo, voar é minha paixão. Treino salto em queda livre de pára-quedas . E agora estou prestes a realizar mais um salto.
Se existe algum motivo real para virmos a este mundo o meu é aperfeiçoar os mais variados modos de vôo possível a um ser humano.
Chegando à porta do avião de onde farei o salto, recordo-me,  já passei por isto antes.
- Que emoção!!! Como é que eu não me lembrei disso antes? Está acontecendo de novo! O pára-quedas não abriu, estou rolando ... rolando... o vento me joga para todos os lados. Não adianta lutar ... deixo o vento me levar ... 

Mais calmo agora, abro os olhos devagar e lá estou eu de novo. Atravessando a barreira entre as dimensões, entro num caminho paralelo e chego ao Campo de Treinamento de onde se pode voar em qualquer direção no tempo”.

- Outra vez! ... O treinador vinha bravo em minha direção. O que foi desta vez?
- Foi a emoção, respondi envergonhado.
A consciência me voltava aos poucos. Aquela era minha missão. Voar entre as dimensões, aperfeiçoando técnicas de vôo e protegendo aos que como eu, amavam voar.
Haviam coisas a aprender – conhecer meus limites, por exemplo, para aproveitar melhor meu potencial. Sou um ser jovem, afoito, mas estou aprendendo.
Como treinamento e até como uma chamada à ordem, pois meu treinador, impaciente, achava que eu cometia erros primários, voltei para uma espécie de curso onde, como num filme, toda minha trajetória, desde o inicio dos tempos, me foi reapresentada.
Vi-me como uma espécie de mini-bolha explodindo em muitas outras bolhinhas. Alegremente, saltávamos cada vez mais alto de um lado para outro. Percebi o resquício de consciência aparecendo. A cada nova percepção, viajava vertiginosamente pelo tempo. Percebia-me rolando, pulando, correndo e voando ... voando ...
Voava com o vento ... voava contra o vento ... Voava... voava...


Aos poucos, aborrecido, percebi um vento mais forte atrapalhando meu vôo. Inimigos, começamos a medir força. Um tempo difícil de aprendizado e crescimento.
        Milênios se passaram até que eu o reconhecesse um amigo. 
O meu treinador.
Com ele aprendi tudo que sei sobre a arte de voar.
Foi em sua companhia que treinando nosso balé aéreo aprendi o looping, o tonneau e o snap roll, entre outras manobras aéreas.


– Ahh !!! O prazer de voar ... voar ... girar ... girar ... que fantástico!.
Me diverti em inúmeras tentativas de imitar o vôo dos pássaros, com os quais aprendi a me comunicar. 
Amante das máquinas voadoras que ás vezes explodiam em pleno ar, partia cedo demais. Aos poucos fui percebendo que podia desviar os pássaros das rotas dos aviões evitando acidentes aéreos. Mas era aos amantes dos esportes aéreos que dedicava minha paixão incondicional. Vibrava e sofria por eles. Amortecia-lhes a queda desviando-os de pedras e objetos pontiagudos, fazendo-os cair sobre árvores e mares. Ficava exausto, mas feliz.
- Ah! Vários dele, velhos conhecidos, pois já caminhamos juntos nos vários desdobramentos do tempo.
Volto para a sala do curso, onde estão sendo discutido os erros cometidos nos últimos acidentes.
Emocionado, descobri entre os colegas, Lya, minha outra grande paixão.
Juntos, desde o início, na explosão das primeiras bolhinhas, temos caminhado, ou melhor, voado juntos, desde sempre, sob as bençãos de nosso treinador. Que tem nos mantidos unidos através das dimensões. Nosso encontro é sempre uma festa. O tempo nunca foi uma barreira para nós, pois aprendemos a quebrá-la, através do desenvolvimento de várias técnicas de comunicação, mesmo estando em dimensões diferentes.
Lya fizera parte de minha última equipe de salto. No dia do acidente, Lya não saltou, e me cedeu seu lugar. Àquela tarde ela faria uma palestra sobre segurança nos saltos e queria prepará-la. Palestra esta que nunca aconteceu. O trajeto terrestre de Lya foi interrompido por bandidos, que além do equipamento de salto que levava,   roubaram também sua energia vital, tornando rápida sua passagem por aquela dimensão.


    - Desta vez, prometeu o treinador, vou cuidar pessoalmente dos dois, aliás dos três. Uma grande missão espera por vocês. Uma brisa morna, amarela e brincalhona envolveu-nos.
  Percebemos que iríamos voltar e levaríamos junto um aprendiz. Nossa responsabilidade dali para frente.


      Ângelo acordou assustado e sobressaltado, sentindo as unhas de Lya arranhando seu rosto. “Vamos Anjo ... vamos. Está na hora... a bolsa estourou .. já está na hora do neném nascer”. Atordoado ele correu, vestiu a farda, pegou a maleta com as coisas de Lya e do neném.


     O Piloto Flávio, seu colega de aviação, os esperava no carro, pois iriam voar à tarde. Mas antes deixariam Lya na maternidade.


     Antes de sair, Ângelo apagou o televisor, onde havia a sua imagem congelada, bem como a de Lya e um vulto amarelo de um bebê. Abraçando a todos, como um pai, o treinador sorria. 


         “Estranho, pensou Ângelo, o treinador é um “clone” do piloto Flávio. E a televisão ligada? Mas aquilo não foi um sonho"?  Pensaria nisso mais tarde. Agora Lya esperava por ele aflita.



* Autora: Marina Alice Rezende
    Ilustrações: Internet 



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